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O Prisioneiro 104

O PRISIONEIRO 104

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por: Ana Carolina Pais

fotografia: EDJr - Edmir Júnior

Certo sábado à tarde, resolvi passear com meu filho. O menino estava de férias, entediado dentro de casa, sem nada para fazer. Pedro não é desses que curte televisão ou computador, o que já gerou muita briga na escola, por acharem ele diferente. Assim, para que ele não se aborrecesse ainda mais, propus um breve passeio:

- Meu moleque, vamos dar uma volta pela cidade e ver o que encontramos de interessante?

Mais do que rapidamente, como adora bater perna, meu menino já estava pronto e ansioso por saber aonde iríamos. O fato é que nem eu sabia! Entramos no carro, deixei minha esposa a cuidar de suas coisas e fomos à busca da aventura. Andamos por cerca de quinze minutos. De repente, meu filho grita:

- Pare o carro, pai!!!! Vamos ver o que aquele povo está fazendo lá? Que lugar é aquele onde as pessoas estão entrando em fila?

Avistei uma fila enorme. Eram pais, filhos, crianças de todas as idades, avós e tios. O moleque sempre foi curioso. Talvez tenha herdado da mãe esse defeito. Aí é que surgiu o problema: odeio multidões! Ver várias pessoas reunidas em um mesmo espaço, realmente me deixa nervoso. Preferiria mil vezes um espaço tranquilo. Mas, como havia proposto um passeio a ele, não tive como escapar.

Estacionei o carro, preparei a câmera fotográfica para registrar os momentos de felicidade de meu pequeno e descemos para descobrir a razão de tanta gente em fila. Para minha surpresa, toda aquela multidão esperava ansiosamente para adentrar a um presídio novo, que estava sendo inaugurado naquela semana. Já na porta de entrada, avistamos cartazes ilustrando a figura dos condenados e até mesmo um senhor vendendo bonecos dos mesmos. Pagamos o ingresso e começamos a andar pelos corredores. Nesse momento, parei, segurei forte as mãos do menino e o questionei:

- Filho, você tem absoluta certeza de que deseja mesmo ver o que este lugar esconde? Há tantos lugares lindos pela cidade para vermos. Não quer ir ao cinema ou ao shopping?Quem sabe, Tomarmos um sorvete e jogarmos bola!?

Não tinha jeito, o menino me arrastava. Realmente desejava ter esta experiência. Nunca, nem eu, nem minha esposa havíamos permitido que ele viesse a um lugar assim. Não sei, não concordo com essas ideias que as sociedades modernas possuem e que são totalmente arcaicas, ou até mesmo, estranhas.

Assim, continuamos andando. Passávamos por celas superlotadas, salas de torturas, pessoas paradas do lado de fora jogando comidas para os seres que habitavam aqueles cubículos. E, a cada passo, minha tortura ia aumentando. Era possível ouvir alguns presidiários gritando e pulando nas grades como em um pedido de socorro. Já outros, infelizes por estarem tão distantes de seus lares, de suas famílias, de suas vidas, nem mesmo um abrir de olhos era possível ver.

Não aguentei! Aquilo era demais para minha pobre alma. Soltei a mão do meu filho e coloquei as minhas sobre os joelhos. Tentava respirar um pouco. Era impossível! A dor causada pela sensação de ver seres, criados por um Deus, enjaulados e agonizando, se misturava com o peso que ia, aos poucos, aumentando sobre os meus ombros por ser o responsável de permitir que meu filho vivenciasse aquelas cenas.

Pedi para que meu garoto esperasse. Não me sentia bem. Sentei-me, passei as mãos pelo rosto... Havíamos andado pouco até então. Pedro mais ouvia do que conseguia ver alguma coisa, pois havia muita gente em frente às celas e ele ainda é baixinho. Comecei a pensar um pouco sobre como explicar tudo aquilo para ele quando, desesperadamente,ele me puxou:

- Pai, deve ter algo muito interessante ali! Temos que ir até lá, até a cela 104, pois lá não tem ninguém que me atrapalhe! Até agora não consegui chegar perto das grades para ver quem realmente está dentro delas. Só fico na curiosidade! Por favor! Por favor, pai!

Respirei fundo. Sabia que, depois de tudo aquilo, precisaria conversar muito com este pequeno. Uma criança tão feliz, tão cheia de vida. Assim, começou a passar pela minha mente a tão grande falha cometida por mim. Como, eu sendo pai de uma criança tão crente do mundo, nunca me sentei com ele e esclareci o quão maldosa poderia ser a raça humana?!Era imperdoável!

Rapidamente, ele correu sem me esperar. Fui atrás dele. E, quando cheguei, me deparei com meu filho hipnotizado, congelado. Andei um pouco mais, encostei as mãos sobre o ombro do meu filho e apenas o vi estático, do lado de fora e o prisioneiro, parado, admirando o observador pelo lado de dentro.

- Tudo bem com você, meu filho? Estamos aqui há dez minutos e você não me falou nada até agora. O que há?

Demorou mais um pouquinho e devagar, um pouco gaguejando, ele me respondeu:

- Pa...i..pai...,o queee... esseee daquiii feez de errado? Por que ele está preso?

- Meu filho, seja forte! Este pequenino está preso pela vaidade.

- Vaidade, pai? Ele?

- Sim, meu filho.

- Mas, p..a..i...pássaros tem asas. O senhor me ensinou que asas servem para os animais voarem, serem livres. Para onde este vai voar? Ele está preso, pai! Porque ele seria preso pela vaidade? Onde está a fa...mí..lia dele?

- Infelizmente, alguns homens, muito vaidosos, acreditam que possuem o direito sobre todos os outros seres vivos e sobre a mãe terra. Por isso, por essa vaidade e cegueira, eles matam, roubam, tiram os animais de seus lares, aprisionam e, tirando a liberdade, pensam serem donos de tudo e todos. Além disso, aproveitam desses seres indefesos para ganhar dinheiro e se enriquecer de bens materiais.

Pedro falava, soluçava e chorava ao mesmo tempo:

- O pai deles não ensinou que é muito mais, mas muito mais bonito ver estes bichinhos soltos e felizes com a família deles na na...tu...reza? Papai do céu ca...stiga, pai!!

- Sim, filho! Nós sempre devemos respeitar as outras formas de vida! Mas, isto é um zoológico, filho! Muitas pessoas gostam de vir aqui e ver os animais presos, como uma sala de exposições. Acabam não percebendo ou nunca tiveram alguém que os mostrasse o quanto é gostoso sentar embaixo de uma árvore e ouvir um canto lindo de um passarinho!

É interessante parar e pensar que quando somos crianças, possuímos uma mente tão brilhante e um coração tão aberto às maravilhas do mundo. Por isso, fico refletindo: em qual momento o homem passou a ter a sua mente, coração e espírito corrompidos? Eu possuo a minha opinião sobre este assunto, mas não cabe nesta minha história. Ficaria longa demais. Talvez você tenha a sua ou não concorde comigo.

Voltando à história, ficamos ali parados por um bom tempo. Pedro olhando o pássaro. O pássaro triste e também curioso com o olhar do Pedro. E eu, homem adulto, segurando nos ombros do meu filho, pensando sobre qual será o fim de nossa raça. Então, meu filho tomou coragem e me pediu para que eu o colocasse sobre meus ombros, afim de que pudesse ver todo o restante do presídio (como ele mesmo chamou o local, depois que fomos embora).E assim caminhamos. Pedro observou todo o zoológico calado. O olhar triste dos animais podia ser visto refletido nos olhos de meu pequeno filho.

Chegamos em casa e Pedro, indagado pela mãe sobre o passeio, respondeu:

- Mamãe, o passeio foi bom. Conheci o prisioneiro 104. Mas, hoje não gostei da lição! Aprendi que o mundo realmente precisa de ajuda e como os adultos são burros!

Beijou a mãe e foi para o quarto. Depois deste longo e cansativo dia de aventura posso confessar que não foi apenas Pedro quem aprendeu algo neste dia. Eu aprendi muito mais! E foi no caminho de volta para casa, falando sobre o amigo prisioneiro da jaula 104, que Pedro passou a chamar os zoológicos de presídios. Porém, com uma diferença: os presídios humanos possuem presos que cometeram crimes e estão lá para pagar por algo. Os zoológicos prendem um ser vivo somente por ele ser belo, engraçado ou exótico, ou seja, para sustentar sua vaidade.

Quem sabe um dia o homem volte a olhar para o seu mundo com o carinho e a empatia de uma criança.

ANA CAROLINA PAIS.

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